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Em discurso na abertura da 79ª sessão da Assembleia Geral das Nações Unidas (ONU), que iniciou às 10h47min (horário de Brasília) desta terça-feira (24), em Nova York, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu sua fala falando que o mundo vive uma alarmante escalada de conflitos, criticou os gastos militares globais, citou que mais de US$ 90 bilhões de foram usados em arsenais nucleares, valor que, segundo ele, poderia ser usados para combater a fome e na prevenção de tragédias climáticas.
— Presenciamos pelo menos dois conflitos simultâneos: na Ucrânia, uma guerra que se estende sem perspectiva de paz. Em Gaza, na Cisjordânia e agora no Líbano, um conflito que começou com uma ação terrorista de fanáticos contra civis israelenses inocentes tornou-se uma punição coletiva de todo o povo palestino
Para o presidente, a escalada de violência entre Israel e o grupo terrorista Hezbollah pode ter efeitos catastróficos.
— Criar condições para retomada do diálogo direto entre as partes é crucial neste momento”, acrescentou, pedindo a abertura de um processo de diálogo e o fim das hostilidades.
Mudanças climáticas
Lula reafirmou a importância de debater, com urgência, a questão das mudanças climática
— Em tempos de polarização, expressões como desglobalização se tornaram corriqueiras. Mas é impossível desplanetizar nossa vida em comum. Estamos condenados à interdependências da mudança climática — declarou o líder brasileiro.
— O planeta já não espera para cobrar da próxima geração e está farto de acordos climáticos que não são cumpridos, está cansado de metas de redução de carbono negligenciadas, do auxílio financeiro aos países pobres que nunca chega —emendou Lula, na ONU.
Seca, enchente e queimadas
Lula citou furacões no Caribe, tufões na Ásia, secas e inundações na África e chuvas torrenciais na Europa e a enchente de maio no Estado para exemplificar como as mudanças climáticas têm afetado o mundo inteiro.
— No sul do Brasil tivemos a maior enchente desde 1941, a Amazônia enfrenta a pior seca em 47 anos. Incêndios florestais consumiram 5 milhões de hectares apenas no mês de agosto.
O presidente frisou que sabe que precisa fazer mais para combater o desmatamento, o garimpo ilegal e os incêndios criminosos.
— O meu governo não terceiriza a responsabilidade e nem dicas da sua soberania. Já fizemos muito, mas sabemos que é preciso fazer muito mais. Além de enfrentar o desafio da crise climática, lutamos contra quem lucra com a degradação ambiental. Reduzimos o desmatamento na Amazônia em 50% no último ano e vamos erradicá-lo até 2030. O presidente defendeu que não é admissível pensar em soluções para as florestas tropicais sem ouvir os povos indígenas e outras comunidades tradicionais.
Lula declarou que o planeta está cansado da meta de redução de emissão de carbono ser negligenciada, do auxílio financeiro aos países pobres que nunca chega.
— O negacionismo sucumbe ante as evidências do aquecimento global. Nossa visão de desenvolvimento sustentável está alicerçada na bioeconomia. O Brasil sediará a COP 30 em 2025 convicto de que o multilateralismo é o único caminho para superar a mudança climática. Nossa Contribuição Nacionalmente Determinada (a NDC) será apresentada ainda este ano, em linha com o objetivo de limitar o aumento da temperatura do planeta a um grau e meio — enfatizou Lula.
Combate à fome
No sul do Brasil tivemos a maior enchente desde 1941
PRESIDENTE LUIZ INÁCIO LULA DA SILVA
Sobre a fome, Lula voltou a frisar ser prioridade do seu governo a erradicação.
— Meu compromisso até terminar meu mandato é acabar com a fome no país.
O brasileiro cobrou que a Organização das Nações Unidas (ONU) adote “meios necessários” para enfrentar as mudanças internacionais.
— Andamos em círculos entre compromissos possíveis que levam a resultados insuficientes. Nem mesmo com a tragédia da covid-19 fomos capazes de nos unir em torno de um tratado sobre pandemia na Organização Mundial da Saúde (OMS). Precisamos ir muito além e dotar a ONU dos meios necessários para enfrentar as mudanças vertiginosas do panorama internacional — disse o presidente.
O presidente disse que o Brasil insiste em padrões mínimos de tributação global para reduzir a desigualdade. Ele também defendeu maior participação de países em desenvolvimento na direção do Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial.
Em discurso, Lula disse que seu governo está construindo um Estado “sensível” às necessidades das pessoas mais vulneráveis sem abdicar de “fundamentos econômicos sadios”.
— A falsa oposição entre Estado e mercado foi abandonada pelas nações desenvolvidas, que voltaram a praticar políticas industriais ativas e forte regulação da economia doméstica. As condições para acesso a recursos financeiros seguem proibitivas para a maioria dos países de renda média e baixa.O fardo da dívida limita o espaço fiscal para investir em saúde e educação, reduzir as desigualdades e enfrentar a mudança do clima —afirmou.
Esse cenário, segundo ele, é um Plano Marshall às avessas, em que os mais pobres financiam os mais ricos. Lula fez uma referência ao pacote dos Estados para a reconstrução de países aliados na Europa após a destruição causada pela Segunda Guerra Mundial.
— A fortuna dos cinco principais bilionários mais que dobrou desde o início desta década, ao passo que 60% da humanidade ficou mais pobre. Os super-ricos pagam proporcionalmente muito menos impostos do que a classe trabalhadora. Para corrigir essa anomalia, o Brasil tem insistido na cooperação internacional para desenvolver padrões mínimos de tributação global— emendou.
Lula cobra ação da ONU
Lula defendeu maior engajamento dos líderes mundiais em temas da agenda global considerados críticos.
— Vamos recolocar a ONU no centro do debate econômico mundial — afirmou, reconhecendo que pode haver alguns avanços, como as negociações para um Pacto Digital. Todos esses avanços serão louváveis e significativos. Mas, ainda assim, nos faltam ambição e ousadia.
Lula criticou a falta de dinheiro dos países desenvolvidos para mitigar os efeitos do aquecimento global. Disse que os recursos para financiar projetos ambientais são insuficientes e alertou que os chamados Objetivos de Desenvovimento Sustentável (ODS) podem se transformar em um grande fracasso coletivo.
— Voltar atrás em nossos compromissos é colocar em xeque tudo o que construímos tão arduamente. Os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável foram o maior empreendimento diplomático dos últimos anos e caminham para se tornarem nosso maior fracasso coletivo. No ritmo atual de implementação, apenas 17% das metas da Agenda 2030 serão atingidas dentro do prazo.
Lula afirmou que o Estado não pode se intimidar frente a indivíduos ou plataformas digitais, e que tem o direito de julgar e fazer cumprir as regras de seu território.
— O futuro de nossa região passa, sobretudo, por construir um Estado sustentável, eficiente, inclusivo e que enfrenta todas as formas de discriminação. Que não se intimida ante indivíduos, corporações ou plataformas digitais que se julgam acima da lei. A liberdade é a primeira vítima de um mundo sem regras. Elementos essenciais da soberania incluem o direito de legislar, julgar disputas e fazer cumprir as regras dentro de seu território, incluindo o ambiente digital — disse o presidente da República.
“Brasileiras e brasileiros continuarão a derrotar os que tentam solapar as instituições e colocá-las a serviço de interesses reacionários. A democracia precisa responder às legítimas aspirações dos que não aceitam mais a fome, a desigualdade, o desemprego e a violência. No mundo globalizado não faz sentido recorrer a falsos patriotas e isolacionistas. Tampouco há esperança no recurso a experiências ultraliberais que apenas agravam as dificuldades de um continente depauperado”, declarou o petista.